“Soundcloud paga artistas de forma justa” é a chamada que anuncia uma mudança há muito comentada e até então não executada por nenhuma das grandes plataformas de streaming. A partir de 1º de abril de 2021, o Soundcloud irá remunerar os artistas em um sistema no qual o dinheiro da assinatura de determinado ouvinte será distribuído somente entre os artistas ouvidos por aquela pessoa.
Parece óbvio, mas o atual sistema utilizado pelo Spotify e outros serviços é bem diferente. Hoje, a renda total dos usuários de uma plataforma é somada e dividida conforme a quantidade de execuções de músicas dentro de um determinado período. Por exemplo, se em fevereiro de 2021 a soma das assinaturas do Spotify resultassem em R$ 10 milhões e as músicas disponíveis na plataforma fossem tocadas 1 bilhão de vezes dentro do mesmo período, cada execução naquele mês renderia R$ 0,01 aos artistas.
Esse modelo beneficia grandes gravadoras e músicos famosos, principalmente os mais pop. Esses artistas têm suas músicas ouvidas milhões de vezes e não são pagos a partir da sua base de fãs, mas sim da renda total gerada a partir de todos os ouvintes. Mesmo que eu escute apenas o ritttual o mês inteiro, o dinheiro que pago ao Spotify será distribuído entre todos os artistas da plataforma, indo principalmente para aqueles que gerem milhões de plays, e quase nada para quem eu efetivamente escutei.
O novo sistema do Soundcloud
O modelo proposto pelo Soundcloud traz mais transparência ao pagamento dos artistas e reforça a relação com os fãs, que passam a ter maior influência na remuneração dos músicos que escutam. O sistema também pretende diminuir o uso de bots, uma vez que fará pouca diferença aumentar de forma falsa o número de plays de um artista se essas execuções vierem de um mesmo perfil.
O objetivo é que a nova forma de remuneração beneficie principalmente artistas independentes, cenas locais e gêneros de nicho. Sendo um serviço sem intermediários, no qual é possível publicar as músicas na hora de forma fácil, o Soundcloud é muito usado por músicos amadores e novos artistas. É também uma escolha popular dentro de nichos específicos, como o funk proibidão de BH. No Soundcloud, DJs costumam publicar faixas logo após as gravações, como um teste, e é comum que diferentes versões subam ao longo dos dias. O funk pesado e trevoso do Anderson do Paraíso, por exemplo, tem menos de 2.500 seguidores no Spotify e 6 mil ouvintes mensais por lá. No Soundcloud, ele já publicou 237 músicas e tem mais de 73 mil seguidores, com várias faixas tendo mais de meio milhão de execuções e picos de quase 2 milhões de plays.
Como funciona, na prática
O Soundcloud explica que a remuneração dos artistas será baseada em 3 fatores:
- o quanto determinada pessoa ouviu cada artista naquele mês, em relação ao número total de artistas que ela ouviu no período;
- quantos anúncios o usuário ouviu;
- e se o usuário é assinante ou não da versão paga do Soundcloud, chamada Soundcloud Go+
Da parte dos artistas, poderão utilizar o novo sistema de royalties aqueles que forem adeptos ao serviço premium do Soundcloud, o Pro Unlimited, e aqueles que utilizem os serviços Repost (de distribuição digital de músicas, concorrente de empresas como CD Baby e ONErpm) ou Repost Select, ambos do próprio Soundcloud.
A proposta do Deezer
Há anos o Deezer, um dos principais serviços de streaming no mercado, tenta colocar em prática o Sistema de Pagamentos Centrado no Usuário (UCPS, no original, User Centric Payment System). A tecnologia está pronta, mas esbarra nos interesses das grandes gravadoras.
O exemplo utilizado pelo Deezer para explicar o funcionamento do modelo centrado no usuário é simples: se você pagasse R$ 10 por mês de assinatura do serviço e ouvisse um único artista durante um mês, todo esse dinheiro iria para o artista ouvido (excluindo da conta apenas a comissão de 30% do Deezer).
No meu caso, que utilizo pouco o Deezer, todo o dinheiro da minha assinatura iria para exclusivamente para 4 artistas no mês de janeiro de 2020 (simulação real feita no site do UCPS).
O Deezer aponta 4 motivos pelos quais formas de remuneração centradas no consumo individual de cada usuário são mais justas:
- Reduzir as desigualdades de receitas;
- Apoiar pequenos artistas e nichos musicais;
- Promover a diversidade na música;
- Combater fraudes de bots.
Fica claro que Soundcloud e Deezer compartilham de alguns dos mesmos ideais e objetivos. No momento, o Soundcloud sai na frente por ser um serviço voltado ao usuário final (com alguns pontos em comum com o Bandcamp, já detalhado por aqui anteriormente), enquanto o negócio do Deezer depende essencialmente das negociações com gravadores e editoras, em geral contrárias ao novo modelo de pagamento de direitos autorais.
Para saber mais sobre o assunto, indico essa matéria na Music Ally (“Deezer still pushing for user-centric payouts: ‘We will continue fighting…’”) e dois artigos na The Baffler (“Streamlining the Streaming Regime” e “Unfree Agents – Spotify pushes an Uber-like model for independent artists“).
A partir deste artigo fica claro que até nas plataformas de streaming existem as tais “panelinhas”, privilegiando grandes artistas e dando a eles uma verba referente a números produzidos por outros artistas, ou seja, priorizando o MAIS DO MESMO, porém, vemos por aqui que a SOUNDCLOUD está tentando mudar a forma de distribuição neste mercado, pagando valores justos a cada artista, referente ao que cada artista realmente produziu com os acessos, nem mais, nem menos.