Imagens coloridas e disformes, futurismo retrô envolto em psicodelia. Poderia ser uma descrição de Hora de Aventura, a série já cult do Cartoon Network. Aqui, trata-se de Caneco Quente, disco e projeto musical de mesmo nome. Além dos diversos sentimentos possíveis de serem associados à música, algumas obras possuem um potencial sinestésico de remeter à imagens e este é um desses casos.

Pensar em Hora de Aventura (ou mesmo Onde Vivem os Monstros) ao ouvir o disco não é por acaso. Caneco Quente é o projeto de Pedro Hamdan das Pedras Saramago (que nome). Ou, simplesmente, Pedro Hamdan. Pedro é músico e ilustrador, cujo trabalho possui forte ligação com o universo infantil. Baterista de bandas como Moons e Transmissor, além das finadas Congo Congo, mordeorabo (lendária) e Os Cavaleiros que Dizem Ni (na faixa do link, como vocalista), Pedro reuniu no disco composições acumuladas ao longo de 12 anos e as gravou junto de um considerável grupo de músicos/produtores de BH: Gustavo Cunha, guitarrista do Iconili; Leonardo Marques (parceiro no Transmissor e dono do estúdio Ilha do Corvo, cujo nome teve influência do Pedro – mais sobre isso abaixo); e Bruno Correa (com quem tocou no mordeorabo e aqui é responsável pela mixagem, masterização e co-produção junto do Leo).

Musicalmente, Caneco Quente também se encaixa no universo de Adventure Time. É possível assistir aos episódios do desenho animado com o disco ao fundo e perceber que habitariam o mesmo universo facilmente. As trilhas sonoras de Mark Mothersbaugh para o jogo The Sims e algumas músicas do Architecture in Helsinki compartilham do mesmo espectro sonoro (sei que o termo técnico tem outro significado, mas acredito no potencial de vocês em entenderem analogias desse tipo).

Doce (em vários sentidos)

É synthpop/indie eletrônico majoritariamente instrumental (o que reforça o caráter de trilha sonora). Quando cantado, vem com deliciosas letras próximas ao nonsense, num misto de brincadeira de criança e viagem de ácido.

“Filho da Sandra / Um pequeno alicate voador / Que loucura, tanto grito, tenha dó / Língua preta, seu chiclete, que sabor?”

“Papagaio”, faixa de abertura.

Em “Vamonessa”, tudo que se fala é apenas “Vamo, Lina, vamo”. Lina, cadela de Pedro, também é tema de faixa homônima e de letra igualmente simples (“Minha cachorrinha só tem três patas / foi atropelada no alto da Serra / mas as mulheres do pet shop cuidaram dela”). Já em “Meu pai nasceu”, canta sobre a Ilha do Corvo, menor ilha dos Açores, em Portugal. Além de ser tema de diversos trabalhos de Pedro, como o livro O Meu Desejo É que Este Os Vá Encontrar de Boa Saúde, a ilha também acabou por nomear um dos principais estúdios musicais de BH, do seu parceiro Leonardo Marques.

No disco, o que poderia ser pueril é trabalhado com sensibilidade e criatividade. Uma boapracice representada em forma de música que dá vontade de tomar um café com seu autor, uma personificação da imagem do mineiro gente fina e acolhedor.

Caneco Quente
Lançamento: 27 de setembro de 2019

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